SAÚDE


Justiça anula portaria do Ministério da Saúde que violava sigilo de pacientes psiquiátricos

Decisão atende a uma ação movida pela Clínica Holiste Psiquiatria, de Salvador

Foto: Reprodução/Freepik

 

A Justiça Federal anulou, por unanimidade, uma portaria do Ministério da Saúde que exigia o envio de informações detalhadas sobre internações psiquiátricas involuntárias a uma comissão revisora sem previsão legal. A decisão da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) considerou a norma ilegal por ferir o sigilo médico e os direitos fundamentais de pacientes em sofrimento mental.

A decisão atende a uma ação movida pela Clínica Holiste Psiquiatria, de Salvador, em 2018, que já havia obtido sentença favorável em primeira instância no ano seguinte. O entendimento do TRF-1 foi acompanhado por parecer do Ministério Público Federal (MPF) e confirma a nulidade da Portaria de Consolidação nº 3/2017, do Ministério da Saúde.

A norma determinava que estabelecimentos de saúde mental — públicos e privados — enviassem a uma comissão multiprofissional externa, sem respaldo em lei, informações como diagnóstico, contexto familiar e justificativas da internação. Segundo a relatora do caso, desembargadora Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, a medida extrapolou o poder regulamentar e afronta o princípio da legalidade, o sigilo médico e os direitos dos pacientes, conforme estabelecido na Lei nº 10.216/2001.

Pela decisão, os estabelecimentos devem continuar informando apenas o nome do paciente, a data da internação e da alta ao Ministério Público Estadual, no prazo de até 72 horas, como já prevê a legislação vigente. “A portaria impôs obrigação sem amparo legal e expôs indevidamente dados sensíveis de pacientes a comissões externas, em desrespeito ao sigilo profissional”, apontou a magistrada.

A Clínica Holiste comemorou a decisão, destacando que foi a única instituição no país a ingressar com ação contra a União para contestar a legalidade da portaria. “Foi uma luta de sete anos, pela preservação do direito à privacidade e pela defesa da prática médica responsável. A decisão garante que o psiquiatra exerça sua função com respaldo técnico e jurídico, sem interferência indevida”, afirmou o advogado da clínica, Marcus Vinícius Alcântara Kalil.

O diretor técnico da Holiste, Luiz Fernando Pedroso, também celebrou a decisão como uma vitória para o exercício da medicina psiquiátrica e os direitos dos pacientes. “A internação involuntária é um recurso extremo, usado apenas quando há incapacidade de autodeterminação ou risco iminente, e sempre autorizado por um familiar. Não se trata de repressão, mas de cuidado técnico e ético com o bem-estar do paciente”, explicou.

A decisão judicial abre precedente importante para que outras instituições de saúde mental deixem de cumprir a portaria, fortalecendo a aplicação da Lei nº 10.216/2001 e a proteção ao sigilo profissional e à dignidade das pessoas com transtornos mentais.