SALVADOR


MP recomenda interdição de estacionamento que abriga cemitério de escravizados

Sítio arqueológico foi recém-descoberto na área do Complexo da Pupileira, pertencente à Santa Casa de Misericórdia da Bahia

Foto: Victória Nasck

 

O Ministério Público do Estado da Bahia recomendou que a Santa Casa de Misericórdia da Bahia não utilize o estacionamento frontal do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré, após pesquisas confirmarem que o local abriga o sítio arqueológico Cemitério dos Africanos. A interdição deve durar até que o risco de danos ao patrimônio arqueológico encontrado no local seja afastado e o uso do espaço seja debatido também com o poder público e a coletividade.

A área que abriga corpos de mais de 100 mil pessoas escravizadas já havia sido interditada anteriormente pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

A recomendação foi expedida na quinta-feira (30), por meio do Nudephac (Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural).

O documento se baseia em parecer técnico do Iphan, que também orientou a imediata interdição do local por ser incompatível com o uso como estacionamento de veículos e pela necessidade de proteção dos vestígios humanos ali encontrados.

De acordo com a recomendação, o estudo arqueológico identificou fragmentos ósseos e dentários humanos no subsolo e confirmou que o espaço corresponde ao antigo Cemitério do Campo da Pólvora, o primeiro cemitério público da capital, destinado a pessoas escravizadas, pobres e marginalizadas. O levantamento foi viabilizado a partir de acordo de cooperação técnica celebrado entre os pesquisadores Jeanne Dias, Samuel Vida e Silvana Olivieri, a Santa Casa e mediado pelo Ministério Público.

Assinam a recomendação os promotores de Justiça Alan Cedraz Santiago, coordenador do Nudephac, Cristina Seixas Graça, Lívia Sant’Anna Vaz e Luíza Amoedo.

O relatório final do estudo arqueológico na área do antigo cemitério do Campo da Pólvora foi aprovado pelo Iphan, que determinou seu encaminhamento ao CNA (Centro Nacional de Arqueologia) para homologação do sítio, e recomendou a interdição, para que a área deixe de ser utilizada como estacionamento de veículos.

No parecer, o Iphan afirma que “os cemitérios são espaços sensíveis de memória, com relevância notável para populações atuais, incluindo grupos religiosos de matrizes afro-brasileiras, grupos religiosos muçulmanos, grupos de luta antirracista, arqueólogos, historiadores, juristas e outros membros da academia e da sociedade civil e que o processo de aterro do espaço cemiterial”.

O órgão técnico registrou ainda que “o processo de apagamento das memórias associadas ao cemitério, devido à utilização do espaço para demais atividades econômicas, constituiu uma negação aos direitos básicos dos indivíduos sepultados, bem como de seus descendentes, genealógicos e ideológicos”.