POLÍTICA


Prefeituras gastam R$ 13,8 milhões com eventos religiosos; Tribunais de Contas estão de olho

Show realizado em cidade do interior de MG valor pago a artista foi equivalente à metade do repasse feito ao principal hospital do município, em março deste ano

Foto: Reprodução/TV Globo

 

Entre junho de 2024 e maio de 2025, ao menos 38 prefeituras de 16 estados destinaram recursos públicos a celebrações religiosas, totalizando mais de R$ 13,8 milhões, segundo levantamento do jornal O Globo. Foram apoiadas 27 festas evangélicas, 13 católicas e uma de orientação cristã não especificada.

Uma das mais recentes aconteceu na cidade de Carmo do Rio Claro (MG): uma apresentação do padre Fábio de Melo – contratado por R$ 280 mil. Antes do show em questão, o prefeito do município, Filipe Carielo (PSD) deu uma declaração que simboliza uma tendência crescente no uso de verbas públicas em eventos religiosos no país.

“A nossa meta é, pelos próximos quatro anos, realizar eventos voltados ao público cristão”, afirmou o gestor. Para efeito de comparação, o valor pago ao artista equivale à metade do repasse feito ao principal hospital do município em março deste ano.

Embora não exista uma legislação nacional que regulamente a destinação de verbas públicas para eventos religiosos, os gastos — frequentemente justificados por inexigibilidade de licitação — têm sido alvo de críticas de tribunais de contas estaduais e ações do Ministério Público, que apontam falta de transparência e favorecimento político.

O estado do Rio lidera em volume de recursos. Só a edição deste ano da Marcha para Jesus, realizada no Centro do Rio no sábado (24), recebeu R$ 1,9 milhão da Prefeitura. Outros dois eventos religiosos também foram patrocinados pelo poder público municipal: a Expo Cristã, com R$ 3 milhões, e o Cariocão: Desbravando o Rio, promovido pela Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Em nota, a prefeitura do Rio declarou que apoia manifestações culturais e religiosas “independentemente de credos”, afirmando que “a fé é uma escolha individual de cada carioca” e que cabe ao município “garantir que todos possam professar sua fé sem discriminação”. Ainda assim, o Ministério Público Federal recebeu uma representação contra o prefeito Eduardo Paes, sob acusação de favorecimento ao público evangélico.

No entanto, mesmo cidades com orçamentos modestos têm contratado artistas consagrados da música cristã. Em São Miguel das Matas (BA), por exemplo, a cantora gospel Bruna Karla recebeu R$ 180 mil pelo show no Dia do Evangélico — valor que representa mais de 80% do orçamento previsto para obras em unidades de saúde no município em 2024.

Já em Campestre de Goiás (GO), com cerca de 3 mil habitantes, a tradicional festa religiosa em homenagem a São Sebastião e Nossa Senhora das Graças consumiu 50,7% da arrecadação anual do IPTU da cidade.

Em Ouro Branco (RN), o Ministério Público recomendou que a prefeitura não utilizasse recursos públicos em eventos religiosos — como o Dia do Evangélico —, embora neste ano uma festa católica tenha recebido R$ 17 mil.

Na cidade de Zé Doca (MA), o MP tentou barrar o “1º Zé Doca com Cristo”, mas a Justiça autorizou a realização do evento, que teve investimento público de R$ 600 mil.

O uso de recursos públicos para fins religiosos é controverso. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) mantém postura crítica. Em 2013, por exemplo, multou o então prefeito de Teresópolis por destinar R$ 119 mil à Marcha para Jesus, realizada em 2010.

Em contrapartida, em Minas Gerais, o TCE tem adotado entendimento mais flexível: classificou a Marcha para Jesus de 2023 como um evento de “caráter cultural e folclórico”.