POLÍTICA


Câmara gasta mais de R$ 1 bilhão por ano com funcionários sem controle de jornada

Na gestão de Hugo Motta, despesa bate recorde; falta de fiscalização favorece casos de funcionários fantasmas

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

 

A Câmara dos Deputados ultrapassa R$ 1 bilhão por ano em gastos com salários, gratificações e auxílios pagos a funcionários cuja jornada de trabalho não é fiscalizada. Em muitos casos, esses servidores sequer desempenham funções diretamente ligadas ao Legislativo. O valor alcançou recorde sob a presidência de Hugo Motta (Republicanos-PB). As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

Atualmente, cerca de 10 mil secretários parlamentares estão contratados pelos 513 deputados para atuar em Brasília ou nos estados de origem. Nesta segunda-feira (21), eram 9.972, o que representa cerca de 69% do total de servidores da Casa. O único controle sobre o cumprimento da jornada de 40 horas semanais é um atestado assinado pelo próprio gabinete.

A brecha permitiu, por exemplo, a existência de três funcionárias fantasmas no gabinete de Motta, como revelou a Folha de S.Paulo. Uma fisioterapeuta contratada atendia em clínicas de Brasília quatro vezes por semana. Outra servidora atuava simultaneamente como assessora na Paraíba e como assistente social de uma prefeitura, em horários coincidentes. Ambas foram exoneradas após a reportagem procurar o deputado.

A terceira funcionária, Louise Lacerda, segue no gabinete. Estudante de medicina, ela é filha e sobrinha de políticos aliados de Motta e chegou a residir no Rio Grande do Norte durante parte da graduação.

Na Câmara, há dois tipos de cargos de livre nomeação: os secretários parlamentares, que são ligados aos gabinetes, e os cargos de natureza especial (CNE), vinculados à Mesa Diretora, comissões e lideranças partidárias. Apenas os ocupantes de CNE são obrigados a registrar ponto eletrônico, com entrada, saída, intervalo para almoço e fim do expediente.

Os secretários parlamentares em Brasília só utilizam a biometria para registrar presença durante sessões noturnas, às terças e quartas. Fora desses horários, não há qualquer registro de frequência.

Cada deputado dispõe de R$ 133 mil mensais para contratar de 5 a 25 assessores. Os salários variam de R$ 1.584,10 a R$ 18.719,88, com direito a auxílio-alimentação de R$ 1.393,11 e outras gratificações. O controle de presença fica sob responsabilidade dos próprios gabinetes, que apenas comunicam ao setor de recursos humanos se houve ausência ou entrega de atestados médicos. Se nenhuma informação for enviada, o sistema registra automaticamente o cumprimento integral da jornada.

Nos estados, o controle é inexistente. Muitos deputados sequer possuem escritório físico nas bases eleitorais, e não há fiscalização por parte da Câmara sobre o cumprimento do expediente de 40 horas semanais.

A falta de fiscalização persiste apesar de denúncias recorrentes de práticas como contratação de funcionários fantasmas, “rachadinhas” e uso de servidores para tarefas pessoais, como serviços domésticos. Também é comum a nomeação de parentes de aliados políticos em troca de apoio eleitoral, prática que envolve o próprio presidente da Câmara, que já empregou filhos, mãe e ex-sogra de correligionários.

“Eu ousaria dizer que a maior parte dos parlamentares não contrata assessores, contrata cabos eleitorais que ficam no estado. Os gabinetes em Brasília, na maioria, têm dois ou três assessores; o resto está fazendo campanha no estado durante quatro anos”, afirma o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP).

Relator de um projeto que torna obrigatório o ponto eletrônico para servidores dos Três Poderes, Kataguiri viu a proposta ser aprovada em 2019 na Comissão de Trabalho, mas o texto está parado desde então.

O gasto com secretários parlamentares somou R$ 1 bilhão em 2023. Na gestão de Motta, o valor aumentou: foram R$ 486,4 milhões no primeiro semestre de 2024 e R$ 539,2 milhões no mesmo período deste ano, uma alta de quase 11%.

Embora tenha adotado um discurso de responsabilidade fiscal e cobrado cortes do governo Lula (PT), Motta não propôs mudanças para endurecer o controle de pessoal na própria Casa. Ele instalou um grupo de trabalho para discutir a reforma administrativa do serviço público, mas sem incluir medidas de fiscalização interna.

Coordenador do grupo, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) argumenta que os assessores nos estados têm uma rotina distinta. “Como você coloca ponto eletrônico se o sujeito está na rua, atuando na base, atendendo prefeito, fiscalizando obras feitas com nossas emendas?”, diz.

A primeira secretaria da Câmara, responsável por esse tipo de controle e hoje ocupada por Carlos Veras (PT-PE), também não apresentou iniciativas. Veras não respondeu aos contatos da reportagem.

O deputado Sérgio Souza (MDB-PR), quarto-secretário da Mesa Diretora, afirmou que o foco do colegiado no semestre foi lidar com pedidos de prisão e suspensão de parlamentares. “Falo pelos meus [funcionários]. Se não trabalhar, eu mando embora”, afirmou.

A Câmara foi procurada pela Folha desde a quarta-feira (16) para se manifestar sobre a ausência de controle de jornada, mas não respondeu. Motta também não quis comentar a falta de fiscalização, mas afirmou que “preza pelo cumprimento rigoroso das obrigações dos funcionários de seu gabinete, incluindo os que atuam de forma remota e são dispensados do ponto dentro das regras estabelecidas pela Câmara”.