ECONOMIA


Sobrecarga no sistema faz Brasil desperdiçar energia renovável e acumular prejuízos bilionários

Interrupções em usinas eólicas e solares já comprometem até um quinto da geração; especialistas alertam para risco de fuga de investidores e alta na conta de luz.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

O Brasil tem registrado cortes recordes na geração de energia renovável em 2024. A medida, chamada de curtailment, é aplicada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para evitar desequilíbrios entre oferta e demanda, mas já levou à interrupção de até 20% da produção de eólicas e solares. O problema, que cresce mês a mês, revela a contradição de um país que desperdiça eletricidade limpa ao mesmo tempo em que aciona bandeiras tarifárias para conter o consumo.

Segundo dados do setor, os cortes decorrem principalmente da sobreoferta de energia em determinados períodos do dia, sobretudo nas manhãs e fins de semana, quando o consumo é mais baixo. Como a geração distribuída – energia solar instalada em casas e comércios – não pode ser controlada pelo ONS, o impacto recai sobre grandes usinas, algumas delas sofrendo reduções de até 70% em sua capacidade. O descompasso gera perdas financeiras que já chegam a R$ 5 bilhões, segundo associações do setor.

As empresas afetadas afirmam que a crise ameaça a sustentabilidade de projetos eólicos e solares, financiados em grande parte por bancos públicos como o BNDES e o Banco do Nordeste. “Do jeito que está, os investidores vão embora. Isso escancara uma ineficiência do ponto de vista sistêmico”, disse à Folha Donato da Silva Filho, diretor da Volt Robotics. Representantes da Absolar e da Abeeólica também cobram soluções urgentes, sob o risco de quebra de empresas e aumento da judicialização contra o Estado.

O Ministério de Minas e Energia prepara uma portaria com diretrizes para o ressarcimento das perdas, enquanto a Aneel conduz consulta pública sobre a hierarquização dos cortes. Entre as alternativas discutidas estão incentivo a baterias residenciais, flexibilização no uso de hidrelétricas como “grandes baterias” e estímulo ao consumo em horários de sobra, além da revisão da lei que regula a geração distribuída.

Para especialistas, no entanto, apenas uma reforma estrutural do setor elétrico pode evitar que o Brasil siga desperdiçando seu potencial renovável. “Estimulamos a instalação de usinas com subsídios, mas não planejamos a integração dessa energia no sistema. Agora, o que deveria ser oportunidade virou risco”, afirmou à mesma publicação Luiz Eduardo Barata Ferreira, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.