BRASIL


Governo Lula contrata empreiteira ligada a investigado para construir muralha em presídio federal

Ministério da Justiça diz que não conhecia as suspeitas e afirma ter seguido a lei

Foto: Divulgação/Senappen

 

O Ministério da Justiça firmou contrato com a empreiteira de um empresário investigado por corrupção para erguer a muralha que circunda o presídio federal de Mossoró (RN), de onde dois presos fugiram no ano passado. A construção integra as medidas anunciadas por Ricardo Lewandowski e está sob responsabilidade da Konpax Construções, que deve receber cerca de R$ 30 milhões pelo trabalho. As informações são do Estadão.

Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que, entre maio de 2019 e outubro de 2020, o então sócio e atual diretor da empresa, Charlys Cunha de Farias Oliveira, movimentou R$ 3 milhões de forma considerada suspeita. O valor, segundo o órgão, não condizia com sua renda. Naquele período, ele chegou a ser preso preventivamente sob suspeita de estelionato, acusação que ainda responde na Justiça.

A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), responsável pela contratação, afirmou que não tinha conhecimento de denúncias ou ações envolvendo o empresário. Disse também que todos os trâmites seguiram a legislação.
A Konpax, por sua vez, declarou que eventuais questões legais de Charlys Oliveira estão sendo tratadas pela defesa e ressaltou que a empresa não é alvo de investigação.

No ano passado, o Estadão revelou que o governo Lula já havia contratado outra empresa, registrada em nome de um “laranja”, para serviços de manutenção dentro da mesma penitenciária.

Sócio foi detido com cheque de R$ 49 milhões
Em setembro de 2020, Charlys Oliveira foi detido em uma agência do Banco do Brasil, em Fortaleza, ao tentar descontar um cheque de R$ 49 milhões. O Ministério Público diz que o montante se referia a um contrato falso firmado pela Konpax com uma empresa de informática. A suspeita levou o gerente a chamar a polícia.

Ele passou pouco mais de um mês preso e foi liberado após a defesa alegar que possuía residência fixa e emprego. Hoje, responde por estelionato, associação criminosa e falsidade ideológica, em processo que corre na 8ª Vara Criminal de Fortaleza.

As movimentações atípicas identificadas pelo Coaf motivaram a abertura de uma apuração pela Polícia Federal em 2022. Durante as diligências, a CGU informou que outras duas empresas de Charlys, Solid Gestão e Tratamento de Resíduos e Eco V Monitoramento Ambiental, haviam recebido R$ 25 milhões em contratos de coleta de lixo em municípios do Ceará desde 2014.
Como não envolviam a esfera federal, a investigação foi repassada às autoridades estaduais, que apuram se os valores têm relação com contratos públicos.

A Polícia Civil do Ceará abriu inquérito em abril do ano passado, meses antes da licitação que definiria a empresa responsável pela construção do muro de 800 metros no entorno do presídio federal que abriga lideranças de facções criminosas.

Governo prometeu muros em todas as penitenciárias federais
Lewandowski anunciou que pretende instalar barreiras físicas semelhantes nas unidades federais que ainda não contam com esse tipo de estrutura. Hoje, apenas a Papuda, no Distrito Federal, possui um muro externo. A proposta surgiu após a fuga de dois presos ligados ao Comando Vermelho, em fevereiro de 2024, episódio que expôs falhas de segurança e mobilizou uma operação de 45 dias, ao custo de R$ 6 milhões.

A Konpax venceu a licitação em setembro, ao apresentar o menor preço entre 18 concorrentes. Apesar de Charlys não integrar mais o quadro societário, documentos internos do Ministério da Justiça indicam que ele atua diretamente no comando da empresa, aparecendo ora como diretor, ora como representante administrativo. Ele também é o destinatário dos comunicados oficiais sobre a obra.

Atualmente, sua única participação societária é na Agos Construções, que mantém consórcio com a Konpax. A CGU tinha conhecimento das investigações envolvendo o empresário quando o contrato foi firmado, mas, como a empreiteira não é alvo de processos e não consta em listas de empresas inidôneas, o procedimento seguiu.

Em abril, Charlys esteve em Brasília para uma reunião na sede da Senappen sobre problemas na construção de uma casa de força próxima à muralha. A participação dele também consta em atas de ao menos oito reuniões virtuais, incluindo uma no fim de outubro, para discutir um aditivo de cerca de R$ 400 mil.

Mesmo assim, a obra segue atrasada. O avanço é inferior a 10%, embora o cronograma previsse mais da metade concluída até novembro. Segundo a Senappen, a empresa iniciou o serviço com uma equipe reduzida, atrasou relatórios e chegou a usar energia do presídio sem autorização.

A pasta atribui ainda descumprimento de orientações e abandono temporário do canteiro. A Konpax nega e afirma que falhas no projeto provocaram danos e atrasos.

O que diz a Senappen
A secretaria afirma que Charlys foi indicado pela própria Konpax para atuar como interlocutor e diz desconhecer investigações sobre ele. Ressalta que o processo licitatório seguiu todos os requisitos legais.

Sobre a obra, explicou que encontrou condições geológicas diferentes das previstas inicialmente, com mais rochas do que o estimado, algo que só seria detectado durante a escavação. Segundo o órgão, os atrasos estão ligados à atuação da empresa.

O que diz a Konpax
A empreiteira reforça que Charlys Oliveira é apenas executivo e não faz parte da sociedade. Afirma que ele é inocente das acusações e que a empresa não é investigada pelo Coaf.

Sobre os atrasos, nega abandono do canteiro e responsabiliza erros de planejamento do governo. Diz também que já executou projetos semelhantes ou maiores e que acionou vias legais para pedir reequilíbrio contratual.