BAHIA


Aterro sanitário de filho do ex-governador Paulo Souto ameaça maior reserva de água da Bahia

Ambientalistas apontam risco de contaminação e impactos socioambientais à fauna; Inema diz ter concedido licenças após apresentação de estudos

Imagem de drone de área ocupada pela Recycle Waste Energy

 

Um aterro sanitário operado pela Recycle Waste Energy em Simões Filho ameaça contaminar o aquífero São Sebastião —uma das maiores reservas de água potável da Bahia e responsável pelo abastecimento de Salvador e de outras cidades da região metropolitana.

Antiga Naturalle Tratamento de Resíduos, a empresa pertence a Vitor Souto, filho do ex-governador Paulo Souto.

Especialistas alertam que a instabilidade do solo do aterro pode permitir a infiltração de chorume no lençol freático, provocando risco de contaminação.

Mesmo diante de pareceres contrários de órgãos como a Embasa, Crea-BA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia), e do Conselho Gestor da APA Joanes e Ipitanga, o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) concedeu em 2019 as licenças ambientais para o funcionamento do empreendimento.

Ambientalistas afirmam que houve uma manobra interna para concessão do documento, que havia sido negado um ano antes por uma outra equipe técnica que viria a ser substituída.

A autorização, no entanto, foi dada sem a realização dos estudos obrigatórios de impacto ambiental e sem avaliação sobre possíveis efeitos nas comunidades quilombolas próximas.

Procurado pelo MundoBA, o Inema informou que a Recycle Waste Energyobteve obteve regularmente as licenças prévia, de instalação e de operação, conforme trâmite legal e estudos apresentados. O órgão diz que o aterro encontra-se em área de entorno da Unidade de Conservação APA Joanes-Ipitanga, conforme registrado no processo de licenciamento.

“O Estudo de Impacto apresentado identificou que a área de implantação do aterro sanitário encontra-se sobre a Formação Geológica São Sebastião, parte da Bacia do Recôncavo, composta por sedimentos que incluem camadas de folhelhos e argilitos. Tais formações atuam como barreiras naturais à percolação vertical, dificultando a migração de contaminantes para os aquíferos subterrâneos”, afirma em nota.

“Além disso, o projeto contempla um sistema triplo de impermeabilização da célula do aterro, com manta de polietileno de alta densidade (PEAD), geocomposto bentonítico e camada de solo compactado, atendendo os parâmetros técnicos exigidos para proteção do solo e dos recursos hídricos subterrâneos”, acrescenta o texto.

De acordo com o Inema, durante a tramitação do licenciamento, foram realizadas diversas inspeções técnicas, audiências públicas e reuniões com o Ministério Público, Defensoria Pública, Embasa, representantes da APA Joanes-Ipitanga e comunidades tradicionais, conforme registros do processo. “A compatibilidade do empreendimento com o zoneamento da APA foi analisada pela Diretoria de Unidades de Conservação do Inema, que se manifestou formalmente.”

A reportagem não conseguiu localizar representantes da Recycle Waste Energy.

Um parecer técnico emitido pelo Ceama (Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo), órgão do MP-BA (Ministério Público da Bahia), apontou que o empreendimento apresenta alto potencial poluidor.

À época, a Embasa (Empresa Baiana de Água e Saneamento) recomendou em ofício que, devido à inadequação da área pleiteada para a implantação do empreendimento, “o licenciamento ambiental requisite a procura por alternativas locacionais que apresentem menor risco potencial de contaminação das reservas de água hoje disponíveis.

Os principais impactos socioambientais ao ecossistema local também devem provocar alterações no ciclo reprodutivo da fauna e assoreamento de recursos hídricos.

Conforme Estadual das Cidades, poderão ser direta ou indiretamente afetadas pela operação do aterro de 12.000 pessoas residentes em comunidades tradicionais, como os quilombos Dandá, Palmares, Oiteiro e Pitanga de Palmares), as comunidades populares Santa Rosa e Convel e assentamentos sustentáveis.

Líderes quilombolas assassinados

A ialorixá Mãe Bernadete Pacífico, líder do quilombo Pitanga dos Palmares, e o filho dela, Flávio Gabriel Pacífico, mais conhecido como Binho do Quilombo, eram vozes ativas contra a instalação do aterro, a especulação imobiliária e a grilagem de terras.

Mãe Bernadete foi morta aos 72 anos, em 17 de agosto de 2023 por homens armados que invadiram sua casa. A ialorixá levou 22 tiros.

Cinco anos antes do crime, Binho do Quilombo também foi executado a tiros no mesmo território.

Segundo reportagem publicada pelo Intercept, assim como a mãe, ele também liderava uma luta contra a Naturalle, que em 2016 havia recebido uma licença municipal para ocupar o terreno de 163 hectares e construir o aterro. Dezesseis dias antes de ser morto, Binho participou de um evento na Ufba (Universidade Federal da Bahia) e denunciou os problemas da instalação do aterro próximo ao território quilombola. O evento foi organizado com o intuito de somar forças para embargar a obra.

“Vou chamar de lixão porque eles não tiveram a ética de explicar o que era aterro para as comunidades, mas tiveram a soberania e a esperteza de ir nas comunidades tentar jogar um contra o outro e dizer: ‘olha, vai ter 100 empregos’, porque estamos vulneráveis a empregos. Mas eu não quero vender meu aipim fedendo a lixo, não. Perto de um lixão, não. Eu não quero vender meu artesanato próximo a um lixão”, disse Binho naquela ocasião.

“Não tenho nada contra a Naturalle, contra a tal empresa, apenas o comportamento, que se vê que é um comportamento que não enxerga ao povo que está ao seu redor. Ela errou nisso aí e eu tenho esse consentimento, entendeu?”, completou o líder quilombola.