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COP30 e o papel do Brasil no cenário climático global: liderança em risco?

Confira o artigo do advogado Marcos Silva Machado

Foto: Divulgação/Assessoria

 

Marcos Silva Machado
Advogado

Em novembro de 2025, Belém do Pará sedia a 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O evento marca um momento histórico não apenas por ocorrer na Amazônia — símbolo global da luta climática —, mas também porque representa um ponto de inflexão para o futuro da governança ambiental internacional.

A COP30 terá como eixo central a avaliação global dos compromissos assumidos no Acordo de Paris – COP21 (2015) e a redefinição de metas para a próxima década, com o objetivo de aproximar promessas e resultados concretos. Entre seus principais objetivos estão:

a) reafirmar o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais;
b) promover uma transição energética justa, reduzindo gradualmente a dependência de combustíveis fósseis e ampliando investimentos em fontes renováveis;
c) ampliar o financiamento climático internacional para países em desenvolvimento, viabilizando ações de mitigação e adaptação;
d) valorizar soluções baseadas na natureza, como a preservação de florestas e oceanos; e
e) fortalecer a governança dos mercados de carbono, assegurando integridade ambiental e transparência.
Essas metas expressam o esforço global de transformar a retórica em ação efetiva, conciliando sustentabilidade, crescimento e justiça climática.

O Brasil no centro do debate

A posição do Brasil na COP30 é singular. O país abriga a maior floresta tropical do planeta, uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e detém relevância estratégica para a estabilidade climática global. Essa combinação de atributos o coloca como mediador natural entre o Norte Global, historicamente responsável pela maior parte das emissões, e o Sul Global, que busca recursos e tecnologia para sustentar um desenvolvimento menos poluente.

Contudo, essa liderança depende da coerência entre discurso e prática. Apesar dos avanços na redução do desmatamento e no fortalecimento das instituições ambientais, o Brasil convive com contradições — e a mais recente delas é a autorização para pesquisa de petróleo na Margem Equatorial, região próxima à foz do Rio Amazonas.

A licença na Margem Equatorial e o paradoxo brasileiro

Em outubro de 2025, o Ibama autorizou a Petrobras a realizar atividades de pesquisa para fins exploratórios no bloco FZA-M-59, situado em uma das áreas marinhas mais sensíveis do planeta. O governo e a estatal defendem que a exploração tem caráter técnico e que eventuais receitas poderiam ser revertidas em investimentos para a transição energética.

Críticos, porém, apontam os riscos de danos irreversíveis a ecossistemas marinhos e à imagem internacional do país. Do ponto de vista do Direito Ambiental Internacional, a medida tensiona princípios estruturantes como o da precaução, o do desenvolvimento sustentável e o da responsabilidade comum, pilares que orientam a governança climática desde a Conferência do Rio de 1992.

A contradição se intensifica porque o Brasil é simultaneamente potência em biodiversidade e exportador de petróleo. Sustentar uma liderança global em mitigação e captura de carbono, sem abdicar do aproveitamento econômico de suas reservas fósseis, é um desafio de enorme complexidade — especialmente para um país em desenvolvimento que ainda busca reduzir desigualdades e ampliar infraestrutura.

Desenvolvimento e soberania: o dilema histórico

Essa tensão não é nova. Já em 1972, durante a Conferência de Estocolmo, primeira Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano, o então ministro Antônio Delfim Neto, que representou oficialmente o Brasil, defendeu com veemência o direito dos países em desenvolvimento ao progresso econômico, advertindo que não se pode exigir “sacrifícios ecológicos de quem ainda não usufruiu plenamente dos benefícios do desenvolvimento”. Esse ponto de vista foi anos depois sacramentado pelo constituinte de 1988, por meio do artigo 170 da CF. A fala de Delfim sintetiza um dilema que persiste meio século depois: como conciliar soberania sobre recursos naturais e responsabilidade ambiental global?

A referência de Delfim Neto continua atual porque traduz a percepção de que não há justiça climática sem justiça social. O Brasil, como potência ambiental e ainda na condição de economia emergente, precisa encontrar um modelo próprio de transição — capaz de reduzir emissões e ampliar a captura de carbono, sem comprometer seu crescimento, sua base energética e sua autonomia. Essa equação, embora complexa, é a essência do que se espera de uma liderança climática legítima e equilibrada.
Conclusão

A COP30 será mais do que uma conferência: será um teste de coerência e credibilidade para o Brasil. O país poderá reafirmar sua posição de vanguarda, mostrando que é possível alinhar desenvolvimento, proteção ambiental e responsabilidade global.

Mas, para isso, precisará demonstrar que as decisões sobre exploração energética estão integradas a um planejamento nacional de descarbonização e que o exercício da soberania não se opõe, mas se harmoniza, com os compromissos internacionais assumidos.

O futuro da liderança climática brasileira dependerá da resposta a uma questão que ecoa desde 1972: é possível crescer sem repetir os erros ambientais do passado?

Costa Oliveira Advogados