POLÍTICA


Parlamentares assinaram ao menos 2 mil propostas redigidas por lobistas, diz reportagem

Entre os casos está o da deputada Roberta Roma (PL-BA), que assinou texto de associação da indústria de alimentos para extinguir o programa de alimentação saudável nas escolas

Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Ao menos 2.000 proposições legislativas apresentadas no Congresso Nacional desde 2019 —entre projetos de lei, requerimentos e emendas— foram redigidas por lobistas, segundo levantamento feito por uma reportagem do portal UOL. A análise examinou 345 mil documentos com auxílio de um software estatístico, que identificou metadados nos arquivos originais, revelando a autoria de textos encaminhados por advogados, assessores de entidades empresariais e representantes de setores econômicos.

Entre os parlamentares que apresentaram propostas redigidas por terceiros está o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Durante a pandemia, ele incluiu em uma medida provisória uma emenda que reduziu impostos de empresas de apostas esportivas (bets). O texto, no entanto, foi elaborado por uma advogada contratada por empresas do setor de jogos.

Questionado sobre a emenda, Motta disse em nota ser “natural do Parlamento o diálogo com os mais diversos setores”.

Ouvir ideias, acatar ou não sugestões, com o objetivo de melhorar nossa legislação, é parte do trabalho do deputado.

Hugo Motta, presidente da Câmara

O UOL então perguntou por que ele acatou integralmente a sugestão feita pela advogada, em vez de produzir uma proposta de próprio punho sobre o tema. O parlamentar não respondeu.

Casos semelhantes envolvem outros deputados, como Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), cuja proposta para isentar medicamentos foi escrita por um funcionário do sindicato da indústria farmacêutica, e Roberta Roma (PL-BA), que assinou um projeto redigido pela Abia (associação da indústria de alimentos) para extinguir o programa de alimentação saudável nas escolas. O MundoBA tenta contato com a assessoria da deputada. 

Na justificativa de sua proposição, Roberta Roma diz que o decreto sobre o tema adota conceitos cientificamente contestáveis e “vilaniza” a indústria de alimentos e bebidas, com graves consequências econômicas e para a segurança alimentar.

Segundo o portal UOL, textos que tramitam no Congresso também tiveram interferência de representantes da indústria de tecnologia e saúde, como a superintendente jurídica da rede Dasa, responsável por um texto que alterava regras sobre o uso e venda de dados médicos.

O lobby é uma atividade legal, mas não regulamentada no Brasil. A ausência de regras sobre transparência permite que parlamentares apresentem textos elaborados por grupos privados sem informar a origem das propostas.

Segundo o levantamento, entidades empresariais estão por trás de quase 60% das proposições com “digitais de lobistas”. As influências identificadas atingem setores diversos, como o agronegócio, a energia solar, a indústria alimentícia, o setor aéreo e os sites de apostas.